Olá,
(este texto foi divulgado numa outra newsletter que assino (www.empreendedores.pt) mas, como causou muitas respostas, repito-o aqui. Com mais algumas coisas no fim. Aguardo o seu feedback).
Pus os meus óculos de água, olhei para o mar e escolhi o sítio onde entrar. Como de costume, nadei perpendicularmente à praia 20 braçadas (talvez 40). Foi tranquilo. Apesar de haver pouca visibilidade para o fundo por causa de alguma agitação, a temperatura da água era boa.
Virei-me para a praia para encetar o regresso, porque sabia que não era muito seguro nadar paralelamente à praia. Parei, totalmente surpreendido e imediatamente apreensivo. Estava muitíssimo mais longe da praia do que alguma vez imaginara.
Percebi logo que tinha entrado numa corrente que me afastava da praia e, portanto, aquelas braçadas tinham-se multiplicado imenso.
Decidi naquele exato instante que não poderia entrar em pânico senão, o caso seria negro.
Tentei perceber a corrente, e ver se poderia nadar paralelamente à praia e tentar depois uma abordagem à praia mais a Sul ou mais a Norte. Por confusão do momento, por se tratar de uma corrente difícil ou por mera incompetência no mar, não consegui perceber por onde poderia escapar lateralmente e, então, nada me restou do que nadar de frente para a praia.
Comecei. Eu bem nadava, porém, o meu avanço era absolutamente miserável. Quase não me mexia e a praia, essa, estava longe. Bem longe.
Insisti; afinal, não havia muito mais que pudesse fazer. Os avanços eram miseravelmente pequenos e o cansaço aumentava rapidamente.
O temor adensava-se mas mantinha-me convicto de que se entrasse em pânico me afogaria muito rapidamente. Mudei de estilo para ir usando outros grupos musculares. Passei para bruços. Depois, para costas.
Quando me virei de costas, ficou claro que o mar tinha ficado maior rapidamente. As ondas não eram pequenas. E rebentavam atrás de mim. Pensei que podiam aproveitar a energia das ondas para me levarem perto da praia. Nadava mais depressa para apanhar as ondas. E fui avançando, porém, menos do que queria porque, logo depois de ir para a frente, sentia a corrente a regressar e arrastar-me vários metros novamente para trás. Não tinha alternativa, tinha que continuar.
Vinha uma onda e avançava um pouco, bastante enrolado na rebentação. Parava, boiava, trocava de estilo. Via gente na praia. Pouca, que ainda era muito cedo. Lembrei-me da conversa de alguém do dia anterior, que me dizia que o helicóptero tinha ido resgatar 6 pessoas naquele dia…
Pensei que se calhar o melhor era pedir socorro e ver se o helicóptero também me conseguiria resgatar. Rapidamente, porém, desisti da ideia; tinha a perceção clara que não aguentaria muito tempo à espera de um helicóptero, isto se alguém me visse a pedir socorro…
Já a pensar que não estava a acreditar no que me estava a acontecer, e a olhar para o enorme hotel onde passado pouco tempo era suposto iniciar um evento onde deveria marcar presença, senti que não conseguia mais, que não teria energia para continuar a lutar contra as ondas.
Por um triz não me pus a gritar e esbracejar e a pedir socorro. Foi por um triz, contudo, temi que ninguém me visse e que aquilo me retirasse as poucas energias que mantinha. Fiz mais um esforço. Meu Deus, como era forte a corrente! Nadei mais e, finalmente, arrisquei pôr-me em pé. Toquei em areia! A esperança cresceu. Pus-me em pé mas, quando pensava que o pior já tinha passado, a corrente voltou a arrastar-me para dentro. Sabia, porém, que estava já perto. Nadei com afinco. Pus de novo o pé no chão e, lá estava a areia! Cravei os pés e comecei, com enorme esforço, ora a caminhar ora a nadar. Finalmente, estava a salvo.
Não queria acreditar no que tinha acabado de acontecer! Nunca estivera tão perto da morte. E tudo porque, deliberadamente, me metera num mar onde nunca tinha nadado, que sabia que era algo perigoso pelas correntes fortes que se formavam repentinamente, agravado pelo facto de ter nadado bem cedo, antes da praia estar povoada e sem haver ninguém na praia a quem tivesse pedido para estar atento.
A sensação foi um misto de alívio, temor e, sobretudo, um enorme cansaço. Estava exausto.
Avistei alguém que estava com ar de quem ia enfrentar as águas. Tal como eu, era um estrangeiro – isto aconteceu no Brasil – e contei-lhe o que tinha acabado de viver. Optou por se sentar na areia…
Tive uma sensação muito estranha no resto do dia. Uma sensação física diferente do que alguma vez tinha sentido. E senti uma espécie de pânico a querer apoderar-se de mim. Tive que parar e recordar-me que estava já em segurança.
Que tinha sido um perfeito idiota, sim, mas que tudo estava já ok. Mandei uma mensagem a alguns amigos a dizer o quão estúpido fora para que me punissem um pouco mais, tranquilizei-me e desfrutei do evento.
Reflexões adicionais:
Fui nadar porque gosto de nadar no mar e porque nado no mar com alguma regularidade.
Fui nadar num mar que não conhecia porque, apesar de ter muito respeito pelo mar, tinha confiança na minha capacidade de o enfrentar.
Arrisquei num mar que sabia que tinha alguns comportamentos traiçoeiros porque assumi que o conseguia ler e que, ainda que surgisse algum problema, certamente não seria grave e que estava em forma física suficientemente decente para o resolver.
Fui nadar no mar porque, como sempre, quis um pouco a sensação de medo. De outra forma, ficava pela piscina ou ia correr.
O meu excesso de confiança ia-me matando, porém, simultaneamente, foi o facto de nadar decentemente, de estar numa forma física minimamente aceitável e, sobretudo, por nunca me ter deixado vencer pelo pânico, que me salvou.
Por que é que conto isto?
Porque os erros que cometi são erros que podem facilmente acontecer numa dimensão empresarial:
- assumir que a realidade que conhecemos num lado é igual à que existirá num lado que “parece” igual;
- achar que somos capazes de ler os sinais de perigo com facilidade, mesmo em contextos que não dominamos bem;
- pensar que teremos os recursos para enfrentar os problemas caso eles surjam;
- avançar sozinho, sem plano de contingência e sem apoio;
- achar que o risco é sexy mas que nunca é mortal.
Fui idiota, imprudente e incauto. Assumo-o aqui para que, desse lado, o não seja.
🔴 Este texto é uma das partilhas de Hugo Belchior – mais info em fisioterapeutaempreendedor.pt
CV: Hugo Belchior é fisioterapeuta, no entanto cedo percebeu que área que verdadeiramente o fascinava e motivava era a Gestão. Atualmente, lidera dois projetos empresariais próprios e outros projetos ligados ao empreendedorismo e gestão.